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Entre a urgência e a responsabilidade

Written by on setembro 20, 2025

Hoje bombardeados de informação, nunca tivemos tanta dificuldade de estabelecer uma gramática comum, uma mesma bibliografia, a ideia de universalidade caiu por terra de vez, não que ela tenha em algum momento se constituído enquanto fato, mas era uma premissa cara à ideologia hegemônica, que não se constrangia pelo uso da violência para preservar e universalizar suas identidades, epistemologias, modelos econômicos e sociais.
Em “O Homem Unidimensional”, Marcuse afirma o quanto a sociedade era mais uniforme no início do século XX, na consolidação da sociedade de consumo,por meio do qual a forma do indivíduo adentrar na sociedade. O autor argumenta o quão limitadas eram as possibilidades de afirmação da subjetividade, pela criação da cultura de massas, que refletia a dominância do sistema fordista da época, um sistema de produção preocupado em escala e estritamente especializado.
Entretanto, Marcuse, já apontava o fenômeno da estratificação naquela sociedade, começando a partir da criação de novas formas de trabalho, porém, não quero adentrar no processo de estratificação social ao longo da história, vamos saltar ao pós-guerra. No pós guerra, principalmente nos anos 1960, se inaugura uma janela de novas possibilidades, muito pela consolidação do bloco socialista e pelas lutas de libertação nacional nos países do sul global, que abrem espaços para narrativas questionadoras aos valores das classes dominantes europeias, em que setores marginalizados e progressistas no ocidente também passaram a ter acesso a essas novas bibliografias e formas de pensar. Somado ao contexto geopolítico, as relações sociais do trabalho e das grandes cidades começam a se tornar cada vez mais rápidas, plurais e dinâmicas, fenômenos que só vão continuar se acentuando com o advento da globalização, o que provoca mudanças nas estruturas de poder.
Assim, se organizam grupos e nascem nos meios acadêmicos linhas de pensamento que denunciam o cinismo do humanismo difundido na Europa, que visava estabelecer valores universais, que instituiu o valor da civilização e uma lógica racional de ética e progresso, mas que excluía os povos colonizados no terceiro mundo, que fechava os olhos para o racismo, que do alto de sua posição moral, definia o que era ser humano, apagava todas as outras formas civilizatórias, todas as outras epistemologias existentes.
Após a ascensão do nazismo, as denúncias do colonialismo, do racismo, das instituições burguesas, pelos movimentos políticos e pelas vanguardas artísticas, muitas pessoas autoras apontam o fim da modernidade, momento histórico que surge com iluminismo e a revolução científica, com isso, se tem o fim das metanarrativas, as ditas grandes narrativas, as explicações que abarcavam a totalidade do mundo.
Desses cacos da modernidade, alguns pensadores vão afirmar que surge a pós-modernidade, contemporâneo ao chamado pós-modernismo no campo da arte, que apesar de serem coisas diferentes, eu enquanto estudante e alguém que nasceu neste momento histórico, refletem para mim um mesmo sentimento que definem a atualidade, uma desorientação brutal.
Depois dessa minha tentativa de fazer um panorama histórico, voltamos ao ponto que é minha motivação para escrever este breve texto, que com o fim das metanarrativas surge a
dificuldade de estabelecer horizontes coletivos, pautas comuns, para que se possa traçar caminhos e criar expectativas para um futuro harmonioso. O que faz com que as maiores forças mobilizadoras e grupos organizados do Brasil no momento, sejam ironicamente movimentos que pregam um individualismo radical, um discurso de rejeição à ideia de espaço público.
Diante disso a sensação de impotência é marcante, em um contexto de geopolítica tão instável, em uma fase brutal do capitalismo tardio, eu sigo sendo um estudante de artes morando em Betim-MG, não poderia ser maior minha insignificância. Mas ainda há algo que me impulsiona no mínimo de me manter ativo e sonhar com mudanças em escala global, e ainda ousar escrever sobre situações que não dou conta de compreender dentro da minha maturidade acadêmica, um sentimento que me faz incentivar amigos de 20 anos que não veem um horizonte seguro, amigos que não veem motivos para lutar por um futuro melhor, que me faz acreditar em amigos que beirando 30 anos, que provavelmente não terão acesso a esse debate, que se organizam e sonham em produzir em estúdios improvisados e cômodos pequenos, que buscam na última cartada um pedaço de terra firme em meio a esse mar revolto. Nossa cidade cobra urgência, e infelizmente não teremos tempo de compreender a dimensão do fundo do buraco que estamos, não teremos tempo de tomar consciência da nossa ignorância para poder pensar em respostas.
Cito diversos autores que ainda não li, e reforço a minha não leitura, não para criar um encosto para apoiar falas irresponsáveis, mas para escancarar a urgência da ação, um exercício de trocar o pneu com o carro em movimento, como não participar de um debate que nos afeta diretamente e diariamente?
Na política e na arte, o que se tem é um gosto amargo, de que não há outra possibilidade, na arte não há mais o que criar, a não ser recombinações, ou um produto para nichos de mercado, que já nascerá abortado, que chega ao mundo, o grande público, sem fôlego, por ser reproduzido até a última gota, ou por não sobreviver ao trabalho de parto, sufocado pela falta de condições materiais para se dar continuidade. Na política, o esgotamento se dá pela descrença da sociedade civil nas instituições e no sistema representativo, em uma leitura que afirma como biológico os pecados capitais, que patologiza a natureza humana, que impõe uma disputa de cada um por si como a única realidade possível, que as vezes até por setores progressistas, de forma bem intencionada, abraça relativismos e adota narrativas sectárias ou apegadas demais a micropolíticas de efeito paliativo.
Por fim, não consigo e não tenho pretensão de declarar soluções para um cenário tão complexo, mas não há possibilidade da sociedade civil não participar de um debate que a atravessa frontalmente, penso se a totalidade não é muito mais possível de ser pensada a partir da perspectiva de quem sempre se viu de fora deste todo (e aqui não falo de mim). Um debate que trata diretamente da criação de pautas comuns para mobilização popular, que se proponha solucionar problemas concretos do cotidiano, a urgência desses problemas não dão conta de acompanhar o rigor teórico e a formalidade da academia, problemas em sua maioria de ordem material, que inviabilizam a realização de uma vida digna.
A criação de novas formas de organização da vida é a melhor forma de produzir novas possibilidades de criação artística, e a estética é fundamental para mobilizar os afetos para criação de pautas comuns.


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